Escravos da virtude

 

            Em Romanos 5, Paulo diz que Cristo salvou-nos mesmo quando éramos pecadores. Somos salvos pela graça, não pelo cumprimento da lei. Ele termina esse capítulo dizendo, “Onde aumentava o pecado, aumentava ainda mais a graça” (Romanos 5:20). A graça de Deus é sempre maior que o nosso pecado.

            No capítulo 6, Paulo lida com uma possível contestação: “Que podemos dizer então? Podemos continuar a pecar para que a graça possa aumentar?” (Romanos 6:1). Se a graça é tão fácil, devemos preocupar-nos em mudar os nossos modos? Onde quer que o evangelho é apresentado, surge esta questão. Se todos os nossos pecados são facilmente perdoados, porquê preocupar-se com o pecado? Devemos continuar a pecar?

            “De modo algum!” exclama Paulo. Devemos evitar o pecado, embora a nossa salvação não dependa do nosso sucesso em abandonar o pecado. A obediência tem um propósito diferente. É claro que, se a fé em Cristo levasse automaticamente à vitória sobre todo o pecado, então a questão não se colocaria. Mas o pecado continua a ser uma realidade com a qual temos que lidar nas nossas vidas – uma realidade à qual temos que resistir.

 

Morte do ser pecaminoso

No versículo 2, Paulo diz: “Morremos para o pecado. Como podemos continuar a viver nele?” Se queremos fugir à morte, então também devemos querer escapar à causa da morte – o pecado. Mas mais importante, quando acreditamos em Cristo, tornamo-nos pessoas novas. Na linguagem de Romanos 5, não somos mais o povo de Adão, mas agora somos o povo de Jesus Cristo. Devemos viver Nele.

            Paulo explica isto no versículo 3: “Não sabeis que todos nós que fomos baptizados em Jesus Cristo fomos baptizados na sua morte?” Nós somos baptizados não só no nome de Cristo – somos baptizados Nele e unidos a Ele. Quando somos identificados com Adão, obtemos a morte que Adão trouxe. Quando somos identificados com Cristo, obtemos a virtude e vida que Ele trouxe. Quando Ele morreu, nós morremos, e quando Ele foi sepultado nós fomos sepultados, e quando Ele se ergueu nós também nos erguemos. Nós estávamos com Ele, porque Ele representava-nos a todos.

            Não costumamos pensar em muitas pessoas como existindo ‘numa pessoa, mas este é o modo como Paulo descreve a nossa salvação. Porque somos unos com Cristo, a Sua morte conta como nossa, pagando a pena dos nossos pecados.

            Então Paulo tira esta conclusão no versículo 4: “Fomos por isso sepultados com ele através do baptismo na morte…”O baptismo retrata não só a partilha da morte de Cristo, mas também uma partilha do Seu enterro. Mas porque é que isto é importante para a questão sobre o pecado?

            Paulo explica o objectivo na última parte do versículo 4: “…para que, tal como Cristo foi erguido dos mortos através da glória do Pai, nós também possamos viver uma vida nova.” Do mesmo modo que morremos com Cristo, também nos erguemos com Cristo para uma nova vida; e isto implica que deveríamos viver de um modo diferente do que costumamos.

            Embora o baptismo pudesse simbolizar este enterro e vida nova, a questão de Paulo não depende do simbolismo – depende da nossa união com Jesus Cristo.  Não só o baptismo nos une com Jesus na Sua morte e enterro, também nos une com a Sua ressurreição e a Sua vida. O velho ser está morto, e mesmo assim nós vivemos – temos uma vida nova, e isso significa uma nova abordagem da vida.

            Paulo explica mais no versículo 5: “Se fomos unidos com ele assim na sua morte, seremos também certamente unidos com ele na sua ressurreição.” A nossa união com Cristo traz não só a absolvição, o benefício da partilha da Sua morte sacrificial – também traz o benefício da vida eterna, de partilhar da Sua ressurreição. Isto afecta o modo como vivemos.

            Parece que Paulo está a dizer alguma coisa parecida com isto: Porque quereria alguém juntar-se ao pecado por um lado, e a Cristo por outro? Porque quereria alguém viver para sempre com virtude, se quer viver em pecado neste instante?

            “Porque sabemos que o nosso velho ser foi crucificado com ele para que o pecado do corpo possa ser eliminado” (versículo 6). O nosso velho ser era um descendente de Adão, um corpo sob o poder do pecado, e que foi morto na cruz. A nossa anterior identificação com Adão morreu; não lhe pertencemos mais, mas pertencemos a Cristo.

            Eis porque morremos: “… para que não sejamos mais escravos do pecado – porque qualquer um que tenha morrido foi libertado do pecado” (versículo 6-7). No baptismo, foi dado aos nossos anteriores seres a pena do pecado. Dado que a pena foi paga, o pecado não tem autoridade sobre nós.

            Paulo introduz uma nova imagem: escravidão e liberdade. O pecado não é só uma coisa que fazemos – é um poder que actua contra nós, um poder que nos escraviza, um poder do qual nos temos que libertar. Quando morremos com Cristo, somos libertados deste perverso senhor de escravos. Não continuamos a servi-lo; mas vivemos uma nova forma de vida. Não fazemos isto de um modo perfeito, mas é para isto que serve a vida Cristã.

 

Vivos para Deus

Agora Paulo começa a enfatizar a vida. “Se agora morrermos com Cristo, acreditamos que também viveremos com ele” (versículo 8). Viveremos com Ele na ressurreição, mas a questão neste capítulo é sobre a vida de agora. Então onde quer chegar Paulo?

            “Porque sabemos que desde que Cristo se ergueu dos mortos, não pode morrer de novo; a morte já não tem domínio sobre ele” (versículo 9). Jesus não regressou à vida mortal, como Lázaro. Em vez disso, Jesus ergueu-se para a vida imortal, imperecível. Antes a morte dominava-O, tal como o pecado antes nos dominava. Mas Jesus foi libertado desse poder e, dado que fomos unidos com Cristo, seremos também libertados desses poderes.

            “A morte que ele morreu, morreu para o pecado de uma vez por todas” (versículo 10). Jesus pagou a pena de todo o pecado – completamente. Se acreditarmos que viveremos com Cristo no futuro, também devemos acreditar que Ele conquistou o poder do pecado e da morte, e que Ele liberta-nos desses poderes nesta vida. Obviamente, ainda pecamos, e ainda morremos, mas esses poderes não têm a autoridade final sobre nós. O pecado pode atrair-nos às vezes, mas não nos pode obrigar a pecar. Não somos mais escravos do pecado.

            Paulo menciona o exemplo de Jesus na última parte do versículo 10: “mas a vida que ele vive, vive para Deus.” Esta é a escolha preparada antes de nós. Podemos servir o pecado, ou podemos servir Deus, e esta é a vida nova que devemos viver.

            Por isso temos que moldar a nossa vida segundo Jesus Cristo: “Do mesmo modo, considerai-vos mortos para o pecado mas vivos para Deus em Jesus Cristo” (versículo 11). Quando o pecado nos oferece algo tentador, devemos responder: Não, isso era antigamente, e é suposto eu morrer para isso. Isto não é certamente automático, ou Paulo não teria que dizer-nos isto. Devemos lembrar-nos quem somos: filhos do Salvador, não filhos do pecado. Assim como Deus morreu para o pecado, devemos resistir ao pecado todos os dias.

            Mas a vida Cristã não é simplesmente uma questão de recusar o pecado, de se fingir morto. Devemos estar vivos – vivos para Deus, porque nós estamos em Jesus Cristo. O nosso desejo de viver para Ele deve ser muito vivo!

            “Por isso,” escreve Paulo no versículo 12, “não deixeis o pecado reinar no vosso corpo mortal de modo a que obedeçais aos seus desejos maus.” A conclusão de Paulo é clara: os Cristãos não devem continuar em pecado. Nós pecamos sim, mas podemos ter a certeza que Cristo já pagou a pena por nós. A nossa salvação não está em perigo, mas ainda somos obrigados a obedecer a Deus e a deixar de pecar.

            Está a decorrer uma batalha pelos nossos corpos. O velho senhor de escravos, o pecado, foi derrotado por Cristo; mas o pecado continua contudo a atacar-nos. Tenta governar-nos, mas não devemos deixá-lo. O pecado dominará tanto quanto deixarmos, por isso temos que resistir-lhe – não deixá-lo governar nos nossos corpos mortais. Paulo diz: “Não desistais. Lutai contra ele.”

            “Não ofereçais as partes do vosso corpo ao pecado, como instrumentos da maldade, mas antes oferecei-vos a Deus, como aqueles que foram trazidos da morte para a vida; e oferecei-lhe as partes do vosso corpo como instrumentos da virtude” (versículo 13).

            Está a decorrer uma batalha pelo controlo do seu corpo. Deixará o pecado fazer o que quiser, ou deixará Deus fazer o que quiser? Fostes trazidos da morte para a vida, por isso deixai Deus vencer, diz Paulo.

            Como fazemos isso? Dando-Lhe os nossos corpos como ferramentas ou armas que Ele pode usar para a virtude. Não devemos deixar o pecado usar as partes do nosso corpo como ferramentas para nos tornar mais malvados. Em vez disso, temos que deixar Deus usar os nossos corpos como armas da virtude, como pessoas que trabalham para o Seu reinado.

            “Porque o pecado não será o teu senhor, porque não estás sob a lei, mas sob a graça” (versículo 14). Se estivéssemos sob a autoridade da lei, então seríamos condenados como pecadores, e o pecado teria a palavra final nas nossas vidas. Morreríamos. Mas não estamos sob a lei, e nem sob a sua pena. A morte foi conquistada, o poder do pecado foi quebrado, e os prisioneiros do pecado foram libertados!

            E dado que estamos sob graça, o pecado não é o nosso senhor. Voltar para o pecado não faz mais sentido que voltar para o nosso velho senhor de escravos, ou um prisioneiro que foi perdoado voltar para a sua velha cela. Na graça e na salvação, é do pecado que nos estamos a livrar.

            Se não fosse pela graça, seríamos condenados quer tentássemos fazer as coisas direitas quer não. Se não existisse graça, poderíamos continuar em pecado, porque os nossos esforços não fariam diferença. Por isso a graça dá-nos a liberdade de escaparmos do pecado e de vivermos para a virtude. Não faz sentido procurar a salvação ao mesmo tempo que se procura o pecado.

           

Escravos da virtude

“E depois?” pergunta Paulo no versículo 15. “Podemos pecar porque estamos não sob a lei mas sob a graça? De modo algum!” Deus não quer que pequemos. Devemos obedecer a Deus.

            Então Paulo desenvolve a analogia da escravidão um pouco mais para mostrar o seu objectivo: “Não sabeis que quando vos ofereceis a alguém para lhe obedecerdes como escravos, sois escravos daquele a quem obedeceis – quer sejais escravos do pecado, que leva à morte, ou da obediência, que leva à virtude?” (versículo 16).

            Se escolher o pecado, está a submeter-se um senhor que lhe baterá, fará a sua vida miserável, e levá-lo-á à morte. Não somos independentes de toda a autoridade – somos escravos de um poder ou de outro. Não temos escolha quanto a isso, mas temos sim a escolha de quem será o nosso senhor. Podemos escolher o pecado, ou podemos escolher Deus. Porque não escolher ser um escravo da obediência, um escravo de fazer bem? As recompensas são muito melhores, não só na próxima vida mas nesta, também.

            Os Romanos já fizeram essa escolha certa: “Mas graças a Deus por isso, embora costumásseis ser escravos do pecado, de todo o coração vós obedecestes o tipo de ensino que vos foi confiado. Fosteis libertados do pecado e tornados escravos da virtude.” (versículos 17-18). A obediência é um resultado normal da fé (1:5).

            Porque usou Paulo a analogia da escravidão? “Eu coloco isto em termos humanos porque vós sois fracos nos vossos seres naturais. Tal como costumáveis oferecer as partes do vosso corpo na escravidão à impureza e à malvadeza sempre crescente, agora ofereceis na escravidão da virtude conduzindo à santidade” (versículo19).

            Os Romanos eram fracos – todos os Cristãos são nos seus seres naturais. Os Romanos eram escravos da virtude, e contudo precisavam de ser exortados a continuar. Lutamos contra o pecado enquanto vivermos nos nossos corpos mortais. É um inimigo que temos que resistir. Se não resistirmos, ficará pior – malvadez sempre crescente.

            Queremos ser escravos de fazer bem. É por isso que já estamos salvos, não porque estamos a tentar conseguir a nossa salvação. Fazemos boas acções porque elas são boas, porque o nosso Salvador quer que façamos o bem. E quando fazemos isso, só melhora – virtude conduzindo à santidade.

            “Quando éreis escravos do pecado, estáveis livres do controlo da virtude” (versículo 20). Cada escravidão tem uma forma de liberdade. Quando pecamos, pode parecer que estamos livres do controlo exterior, mas somos realmente escravos. “Que benefícios colheste no tempo das coisas pelas quais hoje te envergonhas? Essas coisas resultam na morte!” (versículo 21). O pecado produz a morte, e nós não queremos servir esse tipo de senhor. O que parecia liberdade, trouxe na verdade prisão.

“Agora que fostes libertados do pecado e vos tornastes escravos de Deus, o benefício que colheis leva à santidade, e o resultado é a vida eterna” (versículo 22). Agora, já não estamos mais sob a autoridade do pecado. Estamos livres de um poder, mas também estamos sob obrigação: Somos escravos de Deus. Contudo, os Seus benefícios são infinitamente melhores: santidade e vida eterna. A palavra escravidão é útil como uma analogia na qual devemos obedecer a Deus.

            Em que sentido a vida eterna é o “resultado” de obedecer a Deus? Paulo negaria vigorosamente que a nossa obediência causa a nossa salvação – ele diz claramente que a salvação é uma dádiva, baseada na fé, em vez de nas acções, na graça, em vez de pagamento. Aqui, Paulo simplesmente faz um contraste: a obediência leva à santidade em vez de vergonha, e à vida eterna em vez de morte.

            Porque devemos negar o pecado e obedecer a Deus? “Porque o salário do pecado é a morte, mas a dádiva de Deus é a vida eterna em Jesus Cristo nosso Senhor” (versículo 23). Se servimos o pecado, recebemos o que merecemos: vergonha e morte. Se servimos Deus, recebemos a vida eterna como dádiva que não merecemos. Escolhe a vida, diz Paulo. Deixa a virtude reinar! Vive em Cristo, não morras nos teus pecados.

 

Michael Morrison